É profundamente notória a dificuldade
de se estabelecer princípios norteadores capazes de reger a ação humana no
contexto societário epocal. Os
subsistemas na contemporaneidade manifestam-se claramente imersos em um
profundo estado de crise perene sem perspectiva de encontrar fundamentação capaz de regular as ações dos indivíduos no seio da
instância social.
Refletir sobre isso é correr o
risco de submergir num espaço incomensuravelmente amplo, o que pode dotar as
reflexões de um certo teor de superficialidade. Tecer comentários academicistas
sobre a realidade sócio-político-econômica e cultural na qual se insere todo
cidadão, independente do município em que vive, é uma atividade racional sobre
a qual inúmeros teólogos, filósofos, pedagogos e tantos outros estudiosos já
tiveram a oportunidade de abordar tecendo os mais diversos comentários e
elucidando os mais diversos conceitos e categorias.
Na realidade, a tentativa de
verificar como se gestam os princípios norteadores das ações humanas no seio da
coletividade; entendendo como os diversos jogos de linguagem se estabelecem nos
diversos grupos e formações sociais específicas; e, sobretudo, refletindo sobre
a viabilidade das normas e princípios morais capazes de "regular" as
ações humanas, levando em consideração os diversos subsistemas que formam o
pano de fundo no qual se estabelecem a propagação das ideologias dominantes e
os efeitos que elas produzem na formação do caráter e no exercício da cidadania
das diversas classes e grupos sociais antagônicos que coexistem nem sempre de
modo pacífico; parece ser uma atividade extremamente singular cujo
aprofundamento parece ser tarefa profundamente exaustiva.
A coexistência dos diversos
grupos de linguagem com jogos de linguagem específicos, ocorre sempre de forma
conflitante, pois os interesses são antagônicos. As ações humanas são
orientadas por uma mentalidade teleológico-calculista que busca tão somente, o
prazer, a felicidade e a autorrealização individuais; o que exacerba
consideravelmente a miséria, a pobreza e a marginalidade que afligem um número
incomensurável de cidadãos, contrastando com a riqueza, o luxo, o desperdício
de poucos, que buscam a qualquer custo a satisfação de seus desejos sem levar
em consideração os interesses comunitários.
A proposta habermasiana do
discurso linguisticamente mediado em busca do consenso que, por sua vez, se
manifesta como uma alternativa para gestação de normas e princípios reguladores
das ações humanas dotadas de caráter moral parece cair em dificuldades; uma vez
que a coexistência dos diversos “mundos vividos” não ocorre de modo pacífico.
Desse modo, parece que na realidade crítica na qual se encontram os distintos
“mundos vividos” que formam a totalidade social, se exaspera o caráter
individualista que por sua vez dificulta a possibilidade de fundamentação de
normas dotadas de caráter moral.
A fome, o desemprego, a
marginalidade, o abandono de menores nas ruas, a exposição aos riscos de
envolvimento com drogas, a prostituição adulta, a prostituição adolescente e
infantil, a falta de moradia e alimentação, os problemas educacionais e de
saúde, a falta de saneamento básico, a falta de acesso ao lazer e à prática de
esporte, a falta de acesso à arte e aos meios de comunicação e informação
tecnológica, a exclusão social e a violência, o preconceito de cor e de etnia,
a falta de assistência e respeito ao idoso, o preconceito relativo à
sexualidade/afetividade, a destruição dos ecossistemas, os benefícios e
privilégios, as arbitrariedades e maus tratos; entre tantos outros problemas de
cunho sócio-político-econômicos, culturais e ambientais somam um largo
itinerário de fatos e eventos que afligem um número incomensurável de pessoas e
que paradoxalmente contrastam com a riqueza, a opulência, o luxo, o desperdício
de poucos; o que demonstra a inviabilidade e a incapacidade das administrações
políticas de implementar políticas públicas suficientemente eficazes para
atender as reivindicações de todas as classes que formam a malha social e que
por sua vez são consideravelmente antagônicas e conflitantes.
Nesse ínterim, as formações
sociais vão gradativamente perdendo o senso de responsabilidade socioambiental
e solidária; vão perdendo o sentido da vida. Com a perda do sentido da vida,
perde-se a possibilidade de fundamentação para os princípios gestadores de
normas dotadas de moral. Os indivíduos perdem, então, o senso de coletividade e
tornam-se individualistas e, portanto, facilmente corruptíveis, uma vez que o
único objetivo nesse momento de crise e tão somente a sobrevivência nesse mundo
caótico.
Qualquer alternativa
possibilitadora de organização, produção e fundamentação de princípios capazes
de proporcionar legitimação moral para as normas subjacentes às formas de
comportamento inerentes à convivência dos sujeitos em sociedade, torna-se,
pois, inviável.
As classes sociais que através
do voto entregaram, por assim dizer, o seu poder de autogoverno nas mãos da
governança, vêem evidenciada no contexto societário a incapacidade dessa mesma
governança de conciliar os interesses e reivindicações de todas as referidas
classes sociais.
Resultado: as classes menos
favorecidas financeiramente - os pobres e os miseráveis, os sem-terra e os
sem-teto - serão necessariamente regidas por mandamentos, normas e leis ditadas
pelas classes ricas que dominam e oprimem os pobres. As reivindicações das
classes sociais, por serem completamente antagônicas, serão justificadas e
viabilizadas a partir de regras e princípios relativos a interesses particulares
da classe dominante.
É, portanto, somente através da
educação, da conscientização, da politização e da organização dos indivíduos em
sociedade que se poderá provocar mudanças bruscas nas formas de organização da
vida e da convivência social; denunciando paradoxos facilmente observáveis por
qualquer cidadão atento. E, sobretudo, se poderá promover a gestação de valores
capazes de produzir uma esfera normativa capaz de rechaçar as decisões
individuais, particulares e isoladas - as finalidades teleológicas - ampliando
a dimensão comunitária da sociedade; possibilitando, enfim, a efetivação de uma
sociedade solidária voltada para a emancipação.