sábado, 26 de janeiro de 2013

SOCIEDADE SOLIDÁRIA VOLTADA PARA A EMANCIPAÇÃO


É profundamente notória a dificuldade de se estabelecer princípios norteadores capazes de reger a ação humana no contexto societário epocal. Os subsistemas na contemporaneidade manifestam-se claramente imersos em um profundo estado de crise perene sem perspectiva de encontrar fundamentação capaz de regular as ações dos indivíduos no seio da instância social.
 
Refletir sobre isso é correr o risco de submergir num espaço incomensuravelmente amplo, o que pode dotar as reflexões de um certo teor de superficialidade. Tecer comentários academicistas sobre a realidade sócio-político-econômica e cultural na qual se insere todo cidadão, independente do município em que vive, é uma atividade racional sobre a qual inúmeros teólogos, filósofos, pedagogos e tantos outros estudiosos já tiveram a oportunidade de abordar tecendo os mais diversos comentários e elucidando os mais diversos conceitos e categorias.

Na realidade, a tentativa de verificar como se gestam os princípios norteadores das ações humanas no seio da coletividade; entendendo como os diversos jogos de linguagem se estabelecem nos diversos grupos e formações sociais específicas; e, sobretudo, refletindo sobre a viabilidade das normas e princípios morais capazes de "regular" as ações humanas, levando em consideração os diversos subsistemas que formam o pano de fundo no qual se estabelecem a propagação das ideologias dominantes e os efeitos que elas produzem na formação do caráter e no exercício da cidadania das diversas classes e grupos sociais antagônicos que coexistem nem sempre de modo pacífico; parece ser uma atividade extremamente singular cujo aprofundamento parece ser tarefa profundamente exaustiva.

A coexistência dos diversos grupos de linguagem com jogos de linguagem específicos, ocorre sempre de forma conflitante, pois os interesses são antagônicos. As ações humanas são orientadas por uma mentalidade teleológico-calculista que busca tão somente, o prazer, a felicidade e a autorrealização individuais; o que exacerba consideravelmente a miséria, a pobreza e a marginalidade que afligem um número incomensurável de cidadãos, contrastando com a riqueza, o luxo, o desperdício de poucos, que buscam a qualquer custo a satisfação de seus desejos sem levar em consideração os interesses comunitários.

A proposta habermasiana do discurso linguisticamente mediado em busca do consenso que, por sua vez, se manifesta como uma alternativa para gestação de normas e princípios reguladores das ações humanas dotadas de caráter moral parece cair em dificuldades; uma vez que a coexistência dos diversos “mundos vividos” não ocorre de modo pacífico. Desse modo, parece que na realidade crítica na qual se encontram os distintos “mundos vividos” que formam a totalidade social, se exaspera o caráter individualista que por sua vez dificulta a possibilidade de fundamentação de normas dotadas de caráter moral.

A fome, o desemprego, a marginalidade, o abandono de menores nas ruas, a exposição aos riscos de envolvimento com drogas, a prostituição adulta, a prostituição adolescente e infantil, a falta de moradia e alimentação, os problemas educacionais e de saúde, a falta de saneamento básico, a falta de acesso ao lazer e à prática de esporte, a falta de acesso à arte e aos meios de comunicação e informação tecnológica, a exclusão social e a violência, o preconceito de cor e de etnia, a falta de assistência e respeito ao idoso, o preconceito relativo à sexualidade/afetividade, a destruição dos ecossistemas, os benefícios e privilégios, as arbitrariedades e maus tratos; entre tantos outros problemas de cunho sócio-político-econômicos, culturais e ambientais somam um largo itinerário de fatos e eventos que afligem um número incomensurável de pessoas e que paradoxalmente contrastam com a riqueza, a opulência, o luxo, o desperdício de poucos; o que demonstra a inviabilidade e a incapacidade das administrações políticas de implementar políticas públicas suficientemente eficazes para atender as reivindicações de todas as classes que formam a malha social e que por sua vez são consideravelmente antagônicas e conflitantes.

Nesse ínterim, as formações sociais vão gradativamente perdendo o senso de responsabilidade socioambiental e solidária; vão perdendo o sentido da vida. Com a perda do sentido da vida, perde-se a possibilidade de fundamentação para os princípios gestadores de normas dotadas de moral. Os indivíduos perdem, então, o senso de coletividade e tornam-se individualistas e, portanto, facilmente corruptíveis, uma vez que o único objetivo nesse momento de crise e tão somente a sobrevivência nesse mundo caótico.

Qualquer alternativa possibilitadora de organização, produção e fundamentação de princípios capazes de proporcionar legitimação moral para as normas subjacentes às formas de comportamento inerentes à convivência dos sujeitos em sociedade, torna-se, pois, inviável.

As classes sociais que através do voto entregaram, por assim dizer, o seu poder de autogoverno nas mãos da governança, vêem evidenciada no contexto societário a incapacidade dessa mesma governança de conciliar os interesses e reivindicações de todas as referidas classes sociais.

Resultado: as classes menos favorecidas financeiramente - os pobres e os miseráveis, os sem-terra e os sem-teto - serão necessariamente regidas por mandamentos, normas e leis ditadas pelas classes ricas que dominam e oprimem os pobres. As reivindicações das classes sociais, por serem completamente antagônicas, serão justificadas e viabilizadas a partir de regras e princípios relativos a interesses particulares da classe dominante.

É, portanto, somente através da educação, da conscientização, da politização e da organização dos indivíduos em sociedade que se poderá provocar mudanças bruscas nas formas de organização da vida e da convivência social; denunciando paradoxos facilmente observáveis por qualquer cidadão atento. E, sobretudo, se poderá promover a gestação de valores capazes de produzir uma esfera normativa capaz de rechaçar as decisões individuais, particulares e isoladas - as finalidades teleológicas - ampliando a dimensão comunitária da sociedade; possibilitando, enfim, a efetivação de uma sociedade solidária voltada para a emancipação.

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