sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

CHÁ DE CADEIRA


De: Adelmir Barbosa

 

 

_ Você está morando onde?

Eu disse:

_ Onde?

Repeti:

_ Nossa!

Eu disse: _ Nossa por quê?

_ Não. Nada não.

(SILÊNCIO)....

_ Mas o que você viu naquele bairro?

Eu disse: _ Nada de especial.

_ Você bem que podia morar em um bairro melhor.

Eu disse: _ O que disse?

_ Um bairro melhor. Você podia morar em um bairro melhor.

Eu disse: _ O que você chama de “Bairro Melhor”?

_ Sei lá. Um bairro com mais nobreza.

Eu disse: _ E como se encontra tal bairro?

_ Ora! Você conhece o Crato. Sabe quais são os bairros que apresentam traços de nobreza.

Eu disse: _ Conheço, conheço sim. Sou cratense desde que nasci. Então, conheço o Crato como a palma da minha mão.

_ E então?

Eu disse: _ então o quê?

_ Como então o quê?

Eu disse: _ Você precisa ser mais clara. Não sei aonde você quer chegar com esse papo de nobreza.

_ Não?

Eu disse: _ Não.

_ Nada não.

(SILÊNCIO).....

_ Você não tem medo?

Eu disse: _ Medo de quê?

_ Ah! De marginais, assaltantes, criminosos...

Eu disse: _ Tenho!

_ Então por que você não se muda?

Eu disse: _ Mudar? Por quê?

_ Por causa dos marginais, ora!

Eu disse: _ Por causa dos marginais!?

_ É.

Eu disse: _ E pra onde eu iria?

_ Sei lá pra um bairro mais tranquilo, mais seguro.

Eu ri:

_ Tá rindo do quê?

Eu disse: _ Nada não.

_ Foi alguma coisa que eu disse? Falei algo engraçado?

Eu disse: _ Não. De forma alguma.

_ Como se pode rir assim, sem haver ouvido nada engraçado?

Eu disse: _ Seu senso de humor. É mesmo muito peculiar.

_ Meu senso de humor?!

Eu disse: _ É.

(SILÊNCIO)....

_ Não consigo te compreender!

Eu disse: _ Não?

_ Não.

Eu disse: _ Mas devia.

_ Devia?

Eu disse: _ Claro!

_ Como claro? Você não é clara!

Eu disse: _ Claro que sou! Como não?

_ Não responde as minhas perguntas.

Eu disse: _ Você fez alguma?

_ Claro que fiz.

Eu disse: _ Sobre o quê?

_ Ah! Deixa pra lá!

(SILÊNCIO)...

_ Mas me responda sinceramente: Você não tem medo?

Eu respondi: _ Você tem?

_ De que? Eu não moro no...

Eu disse: _ E tem diferença?

_ Claro que tem!

Eu perguntei: _ Qual?

_ Aqui não tem bandido.

Eu disse: _ Não?

_ Não.

Eu disse: _ Não é aqui onde moram vários políticos?

_ É sim!

Eu disse: Então?

_ Então que?

Eu disse: _ Deixa pra lá.

(SILÊNCIO)...

_ Tá vendo? Você não é clara!

Eu disse: _ Você é que é cega.

_ Tá me ofendendo.

Eu disse: _ Não tive a intenção.

_ Mas ofendeu.

Eu disse: _ Desculpe.

_ Tudo bem.

(SILÊNCIO)....

_ Quer mais chá?

Eu disse: _ Um pouco.

_ Camomila... Adoro!

Eu disse: _ Tá nervosa?

_ Deveria?

Eu disse: _ Não sei.

_ Não sabe?

Eu disse: _ Não.

_ Então por que a pergunta?

Eu disse: _ Camomila.

_ O quê?

Eu disse: _ Camomila. Calmante.

_ Camomila?

Eu disse: É.

_ A camomila tem alguma relação com a nossa conversa?

Eu disse: _ Não sei. Tem?

_ Deveria ter?

Eu disse: _ Como vou saber?

_ Ah! Foi você que começou com esse assunto de camomila, calmante, nervosa...

Eu disse: _ Eu?

_ É.

Eu disse: Ah! Então esquece.

_ Como esquece?

Eu disse: _ Deixa pra lá.

(SILÊNCIO)...

_ Mais chá?

Eu disse: _ Não. Obrigada!

_ Tomarei mais um pouco. Tem certeza que não quer?

Eu disse: _ Tenho.

_ Outra coisa? Um suco...

Eu disse: _ Não. Realmente estou farta.

_ Está farta?

Eu disse: _ Estou.

_ De chá?

Eu disse: _ Exatamente.

_ Que tal um café.

Eu disse: _ Não. Obrigada. Estou mesmo farta.

_ Tem certeza?

Eu disse: Tenho.

(SILÊNCIO)...

_ Você veio de ônibus?

Eu disse: _ Foi.

_ Horrível, não é?

Eu disse: _ O chá?

_ O chá? Não!

Eu disse: _ O quê, então?

_ O ônibus.

Eu disse: _ Você acha?

_ Você não acha?

Eu disse: _ Tenho opção?

_ Não tem?

Eu disse: _ Suponho que você tenha!

_ É... Eu ando no meu carro.

Eu disse: _ É Verdade! Eu deveria saber.

_ Financiei pelo Banco em 48 parcelas.

Eu disse: _ Muito bem!

_ Porque não compra o seu?

Eu ri:

_ Decididamente não entendo o seu senso de humor.

Eu disse: _ Mas eu entendo o seu.

_ Não disse nada engraçado!

Eu disse: _ Não?

_ Não.

Eu disse: _ Como não?

_ Só sugeri que comprasse o seu carro.

Eu disse: _ Com o salário que ganho?

_ Não dá?

Eu disse: _ Preciso responder?

_ Se não quiser...

(SILÊNCIO)....

_ Não leve a mal, mas economizar é um bom começo.

Eu ri:

_ Não concorda que devemos economizar?

Eu disse: _ Concordo. Mas antes temos que sobreviver.

_ Talvez devesse administrar melhor seu dinheiro.

Eu disse: _ Como se administra um salário mínimo?

_ Racionando o consumo.

Eu disse: Ah! Tá! Deixando de comer!!!

_ Não foi isso que eu disse.

Eu disse: _ Mas é só pra isso que o salário dá.

_ Não seja pessimista.

Eu disse: Pessimista? Eu?

_ Eu acho.

Eu disse: _ É claro que acha.

_ Não é pessimista?

Eu disse: _ Sou realista.

(SILÊNCIO)....

_ Ela está demorando.

Eu disse: _ Concordo.

_ Será que ela não vem?

Eu disse: _ Você não saberia?

_ Como poderia?

Eu disse: _ Você não é a assessora dela?

(O TELEFONE TOCA)...

Alô! Ai, graças a Deus que a senhora ligou. Aquela Presidenta da Associação de Moradores do Bairro... Está aqui há horas... Eu sei, mas a senhora a mandou vir pra... Ela disse que a senhora queria ouvir as reivindicações dos moradores e... Hunrrum... Sei... Hunrrum... Tá bom Prefeita, faça uma boa viagem. Ah! Cuidado, viu! Não vá sair sozinha. Fortaleza está um perigo. Cheia de marginais.

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